Alunos do ensino médio de Palmeira dos Índios (AL) desafiam moralismo da comunidade – e da própria escola – sobre diversidade de gênero e orientação sexual e propõem debate sobre política nacional.
Pranchetas e canetas em mãos, educandas e educandos do Colégio Logos, localizado na cidade alagoana de Palmeira dos Índios, abordavam a população local, convidando-a para uma discussão fundamental que, ainda hoje, gera polêmica: sexualidade, identidade de gênero e orientação sexual.
“Saímos à rua para debater esse tema tão importante para a sociedade”, conta a aluna do 3º ano do Ensino Médio, Layanne Honório. “Gerava certa aflição porque algumas pessoas, especialmente as de mais idade, não queriam escutar o que tínhamos a dizer. Falavam que só existiam homem e mulher, que qualquer outra coisa além disso é pecado, quando sabemos que o debate é bem mais amplo”, lembra ela.
“Queríamos ajudar as outras pessoas a entender outras perspectivas. Hoje em dia há um preconceito muito grande em relação à essa questão [identidade de gênero e orientação sexual]”, analisa Yuri Rodrigues, que também cursa o 3º ano do Ensino Médio.
Com uma ideia na cabeça e disposição para envolver escola e comunidade, surgiu, então, o projeto “Eu sou diferente, e daí!?” que busca “elucidar dúvidas e romper tabus” – nas palavras de Layanne – sobre a sexualidade, especialmente tratando de diversidade sexual e de gênero.
“A iniciativa, realmente, chamou a atenção: nossos jovens, por meio de pesquisa e debate livres, levaram esse tema não somente para a escola, mas também para a comunidade. Falar sobre esse assunto era uma necessidade pedagógica”, afirma o educador Kleber Luciano da Silva.
“Curar” o preconceito
A polêmica sobre a “cura gay” – nome popularmente atribuído ao projeto da bancada conservadora do Congresso Nacional de tornar legalmente possível que psicólogos ofereçam terapias para reversão da orientação sexual – foi um assunto amplamente debatido pela mídia brasileira no ano passado. Em uma aula de sociologia, foi proposto aos educandos que se dividissem em grupos e formulassem propostas de projetos que poderiam ser desenvolvidos na escola.
Um dos grupos teve uma ideia diante do contexto nacional. “Eu ouvi um médico falar que, com a ‘cura gay’, as pessoas poderiam voltar ao “normal”. Isso me chocou muito!”, conta Layanne.
Decidiram, então, pelo tema, o que requereu coragem: afinal, embora uma pesquisa do Ibope, realizada em 2017, aponte que 72% da população concorda total ou em parte que professores promovam debates sobre o direito de cada pessoa viver livremente sua sexualidade, sejam elas heterossexuais ou homossexuais, uma parte ruidosa da população e de grupos políticos conservadores almejam restringir essa discussão na formação de crianças e jovens.
Além disso, enfrentaram comentário dissuasivos de alguns gestores, mas isso não esmoreceu os educandos – ao contrário, perceberam a urgência da discussão.
Pesquisas na comunidade
A proposta do projeto “Eu sou diferente, e daí!?” foi lançar um site como produto final de inúmeras outras atividades na escola e na comunidade. Os educandos se esmeraram nas pesquisas teóricas e, também, de campo para averiguar a percepção das pessoas em relação ao tema. “Fizemos pesquisas sobre gêneros e descobrimos que há uma grande diversidade que nem sabíamos que existia. É um tema que a sociedade precisa debater”, explica Yuri.
Ouviram médicos, psicólogos, grupos LGBT+, comunidade, pais, educadores e educandos da escola. Com o auxílio do professor de matemática, muniram-se de conhecimento em estatística e promoveram duas pesquisas na comunidade, entrevistando mais de 100 pessoas.
A primeira questionava o público sobre o significado da sigla LGBT+: somente 2% dos entrevistados conseguiram desenvolver algo sobre sua acepção – e ressaltavam que sabiam devido a uma novela que era exibida na época. A outra versava sobre a quantidade de gêneros. 95% afirmaram que existe apenas dois: masculino e feminino. Mas o projeto não parou por aí.
“Também saímos à rua em uma mobilização com carro de som, fizemos panfletagem, stands de informação com os assuntos pesquisados e, na praça da comunidade, promovemos micro palestras com a população. A comunidade abraçou nosso convite para o debate”, alegra-se Kleber.
O educador conta que a população parava para se informar, percebendo a necessidade de referências para um tema que permeia suas vidas. “Não era só teórico, os alunos trabalharam na prática e a comunidade escolheu participar desse projeto. O desempenho dos alunos, sua preocupação em abordar as famílias e a comunidade na praça da melhor forma possível e o cuidado de trabalhar o tema na escola foram inspiradores”, ressalta ele.
Layanne conta que o projeto foi muito elogiado – tanto pelos alunos quanto pela comunidade. “Nosso foco foram os jovens entre 14 e 17 anos, porque acreditamos que agindo entre esse público podemos construir um futuro melhor, mas a participação dos moradores locais foi muito importante”, afirma ela.
Voz para os educandos
Os proprietários do Colégio Logos são evangélicos, e pela sensibilidade do tema, a iniciativa foi questionada quanto a sua relevância em várias instâncias da hierarquia escolar.
Layanne aponta alguns desafios enfrentados: não criar polêmicas desnecessárias e o preconceito dos próprios pais e mães em discutir a temática. Embora o site não esteja online nesse ano – “foi desligado porque queremos retomá-lo com informações novas”, justifica a educanda -, o plano é continuar com o projeto, disponibilizando conteúdo na plataforma e realizando palestras na escola e na comunidade. “Mas conseguimos nosso objetivo: mobilizar a escola e a população aqui do bairro sobre a diversidade de gênero”, conclui ela.
Redação: Rôney Rodrigues
Edição: Juliana Gonçalves
Imagem ilustrativas: Paulo Pinto/ Fotos Públicas/ 13ª Caminhada de Mulheres Lésbicas e Bissexuais de São Paulo, na Avenida Paulista.
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